A Revolução dos Bichos
Trata-se de uma distopia na qual Orwell imagina uma fazenda, inicialmente denominada Granja do Solar, de propriedade do Sr. Jones, que possuía um corvo de estimação chamado Moisés e era visto pelos animais que ali viviam como um homem beberrão, autoritário e violento. Certa noite, os animais se reúnem para ouvir Major, o porco mais idoso de todos, contar sobre as coisas que havia visto durante a vida, e sobre como a existência era injusta com os animais, que tanto trabalhavam e nada ganhavam em troca de seus esforços além de farelos, migalhas, sofrimento e no fim uma morte cruel e impiedosa das mãos daqueles a quem tão fielmente haviam servido. Falou-lhes também que o grande inimigo dos animais era o homem, no caso deles o Sr. Jones, que se aproveitava da força e do trabalho de todos eles e que devia ser combatido a todo custo, e instigou os animais a se organizarem até o ponto de poderem se rebelar contra os humanos e buscar a própria liberdade não importando quanto tempo levasse. Tais ideias ficaram conhecidas como Animalismo, doutrina que basicamente podia ser resumida em duas grandes máximas: Todos os animais são iguais e Quatro pernas bom, duas pernas ruim. Por fim, ensinou aos animais a canção Bichos da Inglaterra que se tornaria um hino para eles.
Poucos dias depois Jones volta bêbado para a fazenda após passar a noite no bar e acaba esquecendo de alimentar os animais que, por essa razão, se revoltaram e expulsaram Jones e seus capangas da propriedade e após destruírem grilhões, chicotes e tudo o mais que lembrasse seu antigo dono passaram eles próprios a gerir a Granja do Solar, que a partir de então passara a se chamar Granja dos Bichos. Sob os princípios do Animalismo os bichos estabeleceram sete mandamentos a serem seguidos, e inicialmente tudo ia muito bem e saía conforme havia sido planejado, todos os animais contribuíam com seu trabalho de acordo com suas forças e habilidades, bem como todos recebiam alimento na medida de suas necessidades. Desta forma conseguiam realizar em menos tempo as mesmas tarefas da época em que eram maltratados pelo Sr. Jones, mas estavam todos muito mais felizes por saberem que trabalhavam em seu próprio proveito e não de um humano preguiçoso e aproveitador.
O sucesso da Granja dos Bichos começou a se espalhar pela região, e os fazendeiros vizinhos, temerosos de que seus animais também se revoltassem contra eles, se uniram ao Sr. Jones numa tentativa de recuperar o controle da fazenda à força, mas o nível de cooperação e organização entre os animais era tamanho que eles conseguiram repelir o ataque e expulsar os invasores naquela que ficou conhecida como a Batalha do Estábulo. Sem o sr. Jones comandando a fazenda, o posto de líder ficou vago e posteriormente foi ocupado pelos porcos, pois eram os mais inteligentes dentre todos os animais. Foi então que algumas coisas estranhas começaram a ocorrer na Granja, os porcos passaram a ter o monopólio do consumo de leite e maçãs, e quando contestados pelos outros animais, Garganta, que servia de porta-voz dos porcos, explicava-lhes que os porcos não gostavam nem de maçã nem de leite, mas era imprescindível que assim o fizessem, pois sendo os líderes intelectuais da Granja dos Bichos eles necessitavam de mais nutrientes na alimentação, caso contrário o sr. Jones poderia retornar à fazenda e todos voltariam a ter a vida sofrida de antes. Diante desse argumento os animais se convenceram que aquilo era realmente o melhor a ser feito, e aceitaram as regalias dos porcos por medo do retorno de Jones.
Entre os porcos mais inteligentes destacavam-se Bola de Neve e Napoleão, os quais tinham ideias diametralmente opostas em todos os assuntos e inevitavelmente tornaram-se ferrenhos adversários. O auge da disputa entre ambos deu-se em uma das assembleias dos bichos na qual se discutiu acerca da construção ou não de um moinho de vento. Bola de Neve defendia a construção do moinho, pois segundo ele, após o esforço empregado na obra os animais teriam uma vida muito mais agradável e não teriam de trabalhar tanto. Já Napoleão se opunha a tal ideia, pois afirmava que era mais importante coletar alimento, e que a construção do moinho de vento colocaria em risco sobrevivência de todos os animais. Ao perceber que havia saído em desvantagem do debate, já que Bola de Neve tinha um grande poder de oratória, Napoleão, com o auxílio de cães ferozes que haviam sido treinados por ele após terem sido afastados das mães desde o nascimento, resolve tomar o poder de forma violenta. Deste momento em diante passa a tomar atitudes de um típico ditador, perseguindo e expulsando Bola de Neve da Granja dos Bichos e decretando que a partir daquele momento não haveria mais assembleias com todos os animais e que todas as decisões seriam tomadas por um comitê de porcos por ele designado.
Sem nenhum motivo aparente, Napoleão passa a defender a construção do moinho de vento, avisa aos animais da Granja que seria necessário muito empenho e trabalho por parte de todos e afirma que a ideia era sua desde o início e que Bola de Neve era contra a obra. Os animais então iniciam a construção liderados pela força de trabalho de Sansão, o cavalo mais forte do local, até que um dia um temporal destrói o moinho e todo o esforço acaba sendo em vão. Diante disso, Napoleão atribui a culpa da destruição do moinho a Bola de Neve, que supostamente teria entrado na fazenda às escondidas e arruinado o trabalho de todos.
Aproveitando-se do fato de que a maioria dos animais não sabia ler, Napoleão passa a desrespeitar um a um os mandamentos estabelecidos coletivamente pouco tempo antes, alterando-os sorrateiramente durante a noite. Isso pode ser percebido claramente em uma das passagens mais marcantes do livro, quando Napoleão interroga alguns animais no celeiro por pequenos delitos que haviam cometido; após admitirem suas culpas os autores eram impiedosamente assassinados. Acontece que, em um dos mandamentos inicialmente estabelecidos constava que Nenhum animal matará outro animal e logo após a chacina passou a constar que Nenhum animal matará outro animal sem justo motivo.
Conforme o comportamento tirânico de Napoleão se acentuava, os animais da granja se davam conta de que estavam trabalhando mais do que nos tempos do sr. Jones e não se alimentavam melhor, até o hino Bichos da Inglaterra havia sido proibido de ser cantado. Mesmo Sansão que tanto havia se dedicado ao trabalho em benefício da Granja foi vendido ao carniceiro e morto, pois àquela altura já havia se tornado um cavalo velho e cansado.
Ao fim da narrativa, o moinho de vento finalmente é concluído, mas em vez de ser utilizado para gerar eletricidade e com isso poupar os animais de tanto trabalho, acaba sendo usado para moer cereais por ser mais lucrativo. Os porcos passam a usar roupas e andar apenas em duas patas enquanto negociavam como humanos, e os dois maiores mandamentos do Animalismo são modificados para: Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que outros. e Quatro pernas bom, duas pernas melhor.
Este livro de George Orwell é visto como uma alegoria da Revolução Russa, iniciada em 1917, e seus personagens guardam muitas semelhanças com os da revolução. Entre outros, o sr. Jones representaria a decadente realeza russa da época e o porco Major pode ser identificado como as ideias de Karl Marx, de um socialismo utópico, em que tudo funcionaria perfeitamente. Napoleão seria Josef Stalin, um ditador que perseguia seus adversários de maneira implacável e Bola de Neve seria Leon Trotski, reconhecidamente um grande orador, que foi duramente perseguido por Stalin até ser finalmente assassinado no México em 1940.
Ocorre que, a obra parece ser não apenas uma metáfora do ocorrido durante a Revolução Russa mas uma crítica a regimes autoritários em geral, já que todos seguem caminhos muito parecidos. Um inimigo comum a ser enfrentado (sr. Jones), uma proposta de mudança inicial apresentada como uma busca por uma melhoria da situação atual (ideias do Major), após o inimigo ser derrotado, surge um vácuo na posição de poder que cedo ou tarde deverá vir a ser preenchido por alguém que surgirá como mais capacitado e que será encarado como salvador de um povo (Napoleão) e que pouco a pouco vai aumentando seu poder e seus próprios privilégios e perseguindo adversários (Bola de Neve). Aproveitando-se da falta de conhecimento do povo vão-se modificando leis e acordos em benefício próprio (animais não sabiam ler muito bem e os mandamentos eram alterados), usam de propaganda para manter uma boa imagem (porco Garganta), e mesmo com todos os excessos cometidos uma parte da população segue apoiando cegamente as atitudes tomadas, formando a chamada massa de manobra (ovelhas). Por fim, usam do medo como arma de controle da população (a ameaça de que o sr. Jones poderia voltar). E no final do processo muitas vezes o povo encontra-se em situação ainda pior do que estava no início do movimento.
Por fim, cabe ressaltar que o livro leva a refletir sobre a fragilidade das democracias, que apesar de não serem derrubadas da noite pro dia podem ser destruídas por meio de pequenas atitudes tomadas ao longo do tempo que vão a enfraquecendo pouco a pouco até que se tenha um cenário no qual seja possível a substituição desta por um sistema tirânico liderado por um ditador.Ou seja, talvez o autor tenha tentado alertar aos leitores sobre a responsabilidade que um povo tem de não se manter indiferente diante de ataques à democracia por menores que sejam.
A Revolução dos Bichos é, sem dúvidas, um livro que apesar de curto é extremamente denso em conteúdo e que incentiva o desenvolvimento de um pensamento crítico mais apurado em relação às sociedades em geral, deixando os leitores intrigados por sua semelhança com a realidade e um tanto temerosos com o futuro, pois a obra tem um desfecho que nem de longe pode ser chamado de final feliz.
*Os textos compartilhados pelo Atualize-se não refletem, necessariamente, as opiniões da Esmal ou de quaisquer membros de sua equipe diretiva.